Por Luiza Rampelotti
A notícia da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF), caiu como um alerta na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Paranaguá. Assim que soube da tramitação da ação que questiona as leis que garantem apoio financeiro às APAEs do Paraná, a diretora da instituição, Claudia Valéria Kossatz Lopes, iniciou uma mobilização interna.
“Estamos pedindo que as famílias gravem vídeos, dando seus depoimentos, explicando por que seus filhos precisam estar aqui. Nós conhecemos nossos alunos. Os que podem estar em escolas comuns, já estão. Mas há muitos que precisam de um atendimento especializado e individualizado, que só a APAE oferece”, afirma Claudia em entrevista à Ilha do Mel FM.
Segundo a diretora, a ADI ignora uma questão fundamental: o direito de escolha das famílias. “A grande dificuldade de tudo isso é que as famílias podem perder esse poder. O que está em risco aqui não é só um modelo de ensino, é o direito dessas mães e pais decidirem onde seus filhos serão melhor atendidos”.
Ação no STF questiona leis estaduais que financiam a educação especial
A mobilização em Paranaguá faz parte de uma reação em cadeia que se espalha por todo o estado. A ADI 7.796, ajuizada pela Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD), pede que o STF declare inconstitucionais as Leis Estaduais nº 17.656/2013 e nº 18.419/2015, que instituem o apoio permanente do Governo do Paraná às entidades mantenedoras de escolas de educação especial.
A Federação sustenta que essas leis violam os princípios da inclusão, ao fomentar um sistema segregador de ensino. No documento protocolado, a entidade argumenta que “as leis questionadas permitem e fomentam a segregação de pessoas com deficiência, destinando verbas e até pessoal para escolas especiais, ao invés de garantir maior financiamento público da educação inclusiva”.

A FBASD sustenta que a Constituição Federal (art. 208, inciso III), a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (com status de emenda constitucional) e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) determinam que o ensino inclusivo em escolas regulares seja a prioridade, com o atendimento especializado apenas como apoio complementar.
Em sua argumentação, a entidade afirma que a permanência das leis paranaenses representa um retrocesso social, e que o Estado deveria investir na capacitação da rede regular de ensino para receber todos os alunos, independentemente do tipo de deficiência.
Também afeta a escola bilíngue para surdos
A Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita no STF não impacta apenas as APAEs, mas também coloca em risco a manutenção de outras instituições especializadas, como a Escola Bilíngue para Surdos Nydia Moreira Garcez – CEDAP, em Paranaguá.
Segundo a diretora Fátima Gonçalves, a escola é mantida por meio de um convênio com a Associação dos Colaboradores e Deficientes Auditivos de Paranaguá (ACEDA), com recursos previstos nas mesmas leis questionadas na ação judicial. A possível suspensão desses repasses comprometeria diretamente o funcionamento da unidade.
“Essa ADI também atinge as escolas bilíngues, porque questiona justamente o apoio às entidades mantenedoras que oferecem educação especial. A nossa escola é organizada para garantir o direito à língua de sinais como primeira língua do aluno surdo. Isso não é segregação — é respeito à diversidade linguística e cultural da comunidade surda”, afirma Fátima em entrevista à Ilha do Mel FM.

Ela lembra que outros estados brasileiros, que haviam fechado escolas bilíngues seguindo diretrizes do MEC, agora tentam reabrir essas unidades, reconhecendo a importância pedagógica desses espaços. “Nos anos iniciais, especialmente, a escola comum não consegue garantir a imersão linguística necessária. Como um aluno surdo vai aprender se não tem contato com seus pares linguísticos e nem acesso pleno à Libras?”, questiona.
Fátima reforça que o modelo adotado no Paraná não representa exclusão, mas sim uma forma de organização pedagógica específica, com recursos e apoios voltados às necessidades de cada estudante.
“Não queremos fechar as APAEs”, afirma Federação autora da ADI
Em resposta à onda de críticas, a presidente da FEPASD (Federação Paranaense das Associações de Síndrome de Down), Lopes Bassi, afirma que a ação não tem como alvo direto as APAEs, mas sim a política pública adotada pelo Estado.
“Não queremos fechar as APAEs. Essa é uma ação contra o Estado do Paraná, que descumpre a Constituição e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no que se refere à educação inclusiva. As APAEs continuarão existindo, com sua tradição e valor. O problema é o Estado deixar de investir na escola comum para delegar à filantropia uma obrigação constitucional”, declarou.
Segundo ela, as APAEs poderão seguir oferecendo atendimentos em áreas como saúde, assistência e apoio especializado, mas a matrícula prioritária deve ser na escola regular.
Para a FEAPAEs, proposta ignora realidade das famílias
A Federação das APAEs do Estado do Paraná (FEAPAEs) contesta duramente a ação, que classificou como “desconectada da realidade concreta de quem precisa de atendimento especializado”.
Em nota oficial, a entidade — que representa 343 escolas no estado e atende mais de 40 mil pessoas com deficiência intelectual e múltipla — afirma que o modelo paranaense está em consonância com a Constituição e respeita o direito à personalização do ensino.
“Educação especial é direito, não é segregação. Inclusão se faz com respeito à diversidade. As famílias devem ter liberdade de escolha e não serem forçadas a aceitar um modelo único”, diz a nota da federação.
Rito abreviado no STF e mobilização crescente
No final de março, o relator do caso, ministro Dias Toffoli, decidiu aplicar o rito abreviado ao processo, o que significa que a ação será julgada diretamente pelo plenário do Supremo, sem decisão cautelar prévia. O caso agora depende de manifestações formais do Governo do Paraná, da Assembleia Legislativa, do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República.
Enquanto isso, a APAE de Paranaguá, assim como outras unidades do estado, segue fortalecendo campanhas de mobilização e conscientização. Para Claudia Valéria, a luta vai além da defesa institucional. “Trabalhamos todos os dias com realidades complexas, com crianças que exigem dedicação total, cuidado técnico e sensibilidade. Tirar esse direito das famílias seria um retrocesso cruel”, conclui.













