Por Luiza Rampelotti
A crise no transporte universitário no Litoral do Paraná ganhou um novo capítulo na última quarta-feira (14) durante uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (ALEP). Proposta pela deputada estadual Ana Júlia (PT), a reunião contou com a presença de estudantes, reitores, pró-reitores, secretários municipais, vereadores e representantes da sociedade civil. O evento revelou um retrato alarmante: a ausência de políticas públicas permanentes para garantir o deslocamento de estudantes entre os municípios está aprofundando desigualdades, forçando evasões e colocando em risco o próprio projeto de interiorização do ensino superior no Estado.
“Se não houver pressão de vocês, estudantes, isso não sai do papel. A política só funciona com mobilização social. Estamos aqui para levantar problemas, sim, mas, principalmente, para tirar encaminhamentos concretos”, declarou a deputada Ana Júlia na abertura do encontro, convocando os estudantes a se organizarem politicamente para garantir avanços estruturais.
Estudantes relatam abandono
Os relatos dos estudantes presentes foram unânimes em destacar a precariedade do transporte e seus efeitos na permanência nos cursos. Heloise Magno, criadora do movimento “Quero Transporte”, contou que, após a troca de gestão na Prefeitura de Paranaguá, os alunos perderam o único ônibus cedido pela Secretaria de Educação para atividades de cultura, passando dias sem acesso às aulas. “Hoje temos um ônibus emprestado, mas com vagas insuficientes. Quase 40 alunos continuam sem transporte”, afirmou. O movimento, criado em 2024, já articula estudantes de diferentes campi da Universidade Federal do Paraná (UFPR), incluindo o Setor Litoral, em Matinhos, e as unidades Mirassol e Centro de Estudos do Mar (CEM), em Pontal do Paraná, que compartilham da mesma insegurança quanto à continuidade do serviço.
Luiz Victor Morais, recém-formado em Administração pela Universidade Estadual do Paraná (Unespar) Paranaguá, expôs com indignação as condições oferecidas pela Viação Graciosa, única opção para estudantes de Guaratuba. “Os ônibus não têm nem cinto de segurança. Cheguei a dormir no ferry boat porque não conseguia voltar para casa. Isso não é exceção, é rotina para muitos”.
Karen Christine Ferreira Alves Gomes, estudante do Instituto Federal do Paraná (IFPR) Paranaguá, reforçou o peso do transporte na evasão. “Começamos o curso com 40 alunos em 2024. Em 2025, restamos apenas 10. O principal motivo? A falta de transporte adequado”. Com deficiência oculta, Karen relatou ainda os riscos à segurança enfrentados por estudantes, principalmente mulheres, que voltam para casa à noite, após o término das aulas.
Paranaguá: maior cidade, maior número de estudantes, nenhuma política efetiva
Segundo dados apresentados durante a audiência, aproximadamente 140 estudantes da UFPR Litoral são oriundos de Paranaguá, o que representa quase um terço do total de matriculados. No IFPR Paranaguá, além dos alunos da cidade, há cerca de 300 estudantes vindos de municípios vizinhos, como Pontal, Matinhos, Morretes e Antonina — todos dependentes de transporte intermunicipal.
Apesar de concentrar grande parte da demanda por transporte universitário na região, Paranaguá ainda não possui uma política pública estruturada para atender estudantes do ensino superior, seja em deslocamentos intermunicipais ou nos horários noturnos dentro do próprio município.

Durante a audiência pública, a cidade foi representada pelos vereadores Tenile Xavier (PSD) e Wellington Frandji (Podemos), mas não houve participação presencial de representantes do Poder Executivo municipal, incluindo a secretária de Educação, Fabíola Arcega, nem integrantes da equipe técnica da pasta.
Procurada pela Ilha do Mel FM, a secretária informou que encaminhou previamente informações à deputada Ana Júlia sobre a situação do transporte escolar gerido pela Secretaria Municipal de Educação. Em nota oficial, afirmou: “A Secretaria Municipal de Educação e Ensino Integral de Paranaguá informa que está em fase de estudos para a contratação de serviço de locação de veículos com o objetivo de aprimorar o atendimento do transporte escolar dos estudantes da educação básica das redes municipal e estadual. A iniciativa visa garantir maior qualidade e segurança no deslocamento dos alunos, além de possibilitar a inclusão, no planejamento, do transporte escolar universitário, com recursos próprios da Prefeitura de Paranaguá”.
O diretor do IFPR Paranaguá, professor Hugo Perlin, reconheceu as limitações do sistema local. “O Tarifa Zero funciona, mas não resolve. O campus é afastado do centro e os horários são limitados. Muitos alunos, especialmente os que voltam à noite, acabam expostos a riscos ou simplesmente não conseguem voltar para casa”.
Para a deputada Ana Júlia, a ausência de iniciativa do poder público municipal é alarmante. “Paranaguá é um polo universitário, concentra estudantes de toda a região. Se não há investimento nisso, o que está sendo priorizado?”, questionou.
Gestores apontam limbo legal e falta de articulação
A diretora do Setor Litoral da UFPR, Vanessa Marion Andrioli, classificou a situação como “uma das principais causas de evasão” na universidade. Ela explicou que a frota da UFPR é antiga, restrita ao deslocamento entre os campi da própria instituição, e que não existe orçamento nem autorização legal para oferecer transporte intermunicipal. “A UFPR não pode arcar com essa demanda. A responsabilidade está com os Municípios e o Estado, como prevê a alteração de 2023 na LDB. E isso precisa ser reconhecido”.
Na mesma linha, o diretor do IFPR Paranaguá, Hugo Perlin, revelou que a instituição tem apenas R$ 13 mil anuais para atividades de campo, recurso que não cobre sequer o transporte para duas visitas técnicas a Curitiba. “Sem parcerias permanentes, ficamos à mercê das decisões pontuais de cada gestão. Não há estrutura nem verba para resolver isso sozinhos”.
O vice-diretor da UNESPAR Paranaguá, Luiz Fernando Roveda, foi direto sobre o que pensa da situação: “O transporte universitário não é prioridade. Quando falta recurso, é a primeira coisa a ser cortada”.
Prefeituras reconhecem falhas, mas cobram apoio
A diretora da Secretaria de Educação de Guaratuba, Paulina Muniz, admitiu que o Município, no momento, não oferece qualquer apoio ao transporte universitário. “Em 2017, propus a compra de dois ônibus, mas o projeto foi vetado pelo prefeito. Se os estudantes tivessem ocupado o plenário naquele dia, talvez hoje tivéssemos esses veículos”, disse.
A secretária de Educação de Matinhos, Célia Amaral, relatou que o Município investe mensalmente R$ 180 mil em transporte terceirizado para atender estudantes do IFPR e da UNESPAR, utilizando 13 ônibus. Ainda assim, a frota própria está sucateada. “Não existe legislação obrigando o Município a atender essa demanda. O que existe é sensibilidade”.
Assista à audiência pública completa:
Consórcio intermunicipal é proposta central para solução
O pró-reitor da UFPR, André Vinícius Martinez, propôs a criação de um consórcio intermunicipal voltado à mobilidade estudantil, reunindo Estado, Municípios e instituições de ensino. “Hoje, a falta de transporte leva ao desperdício de talentos e de recursos. O Estado investe para formar esses estudantes, mas não garante sua permanência. É uma contradição gritante”, afirmou.
Martinez também lembrou que a Política Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), aprovada em 2023, prevê o Programa de Apoio ao Transporte (PAT), mas a regulamentação ainda não foi implementada. “Enquanto isso não se concretiza, seguimos penalizando os mais pobres”.
Encaminhamentos
A audiência foi encerrada com o compromisso da deputada Ana Júlia de articular a criação de um grupo de trabalho permanente, reunindo representantes das prefeituras, universidades e do Governo do Estado, com o objetivo de discutir a viabilidade de um consórcio intermunicipal para o transporte universitário. Também ficou definido que serão oficiados os órgãos responsáveis pelas políticas de transporte e assistência estudantil, tanto em nível estadual quanto federal. Além disso, a parlamentar se comprometeu a protocolar um projeto de lei que inclua o transporte universitário no escopo das políticas públicas de educação e assistência social no Paraná.
“Não podemos aceitar que o acesso à universidade dependa da sorte, da carona ou do sacrifício extremo. Transporte universitário não é luxo, é direito”, concluiu a parlamentar.
De onde vêm os estudantes do Litoral — e como (não) chegam à universidade
Durante a audiência pública, representantes da UFPR e do IFPR apresentaram dados que evidenciam a dimensão regional da crise no transporte universitário. Somente o Setor Litoral da UFPR atende estudantes de sete municípios do litoral paranaense, sendo Paranaguá, Matinhos e Pontal do Paraná os maiores polos de origem. O IFPR Paranaguá também recebe alunos de todas as cidades da região, incluindo Antonina, Guaraqueçaba e Morretes.
A mobilidade precária, no entanto, não acompanha essa abrangência. Distâncias longas, ausência de linhas diretas, horários incompatíveis com as aulas e custo elevado de transporte intermunicipal afetam diretamente o direito à educação. O número de alunos que abandonam os cursos por dificuldades logísticas é alto — e, como ressaltado por estudantes e professores, não se trata de um problema pontual, mas de um padrão estrutural.
O quadro abaixo sintetiza a origem dos estudantes e o cenário enfrentado por cada município:









