Por Luiza Rampelotti
A Câmara Municipal de Guaraqueçaba aprovou, por unanimidade, na sessão da última terça-feira (29) a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar supostas irregularidades no Processo Seletivo Simplificado (PSS) da Secretaria Municipal de Educação. O certame, regido pelo Edital nº 001/2025, que foi publicado em 4 de abril e assinado pelo prefeito Alessandro Carneiro Soares Truchinski (União Brasil), o Sandro da Saúde, tem como objetivo a contratação temporária de professores e profissionais da área educacional, mas tem sido alvo de diversas denúncias de ilegalidades e favorecimentos indevidos.
O edital prevê a contratação temporária de profissionais para oito cargos diferentes na área da educação, totalizando mais de 160 vagas. As oportunidades abrangem os seguintes cargos: Professor de Educação Infantil e Ensino Fundamental (109 vagas), Auxiliar de Serviços Gerais (36 vagas), Motorista categoria “D” (11 vagas), Marinheiro (6 vagas), Assistente Social (1 vaga), Psicólogo (1 vaga), Nutricionista (1 vaga) e Assistente Administrativo (3 vagas). Também há formação de cadastro reserva para todas as funções.
As contratações são por tempo determinado, com duração de um ano, prorrogável por igual período, com base na Lei Complementar Municipal nº 052/2021. Os salários variam de R$ 998,00 a R$ 2.560,16, conforme o cargo e a carga horária.
Instauração de CPI
A iniciativa de instaurar a Comissão Parlamentar partiu dos nove vereadores eleitos. Durante a sessão, quem fez a leitura do requerimento foi o vereador Alcendino Ferreira Barbosa (PSDB), o Thuca da Saúde, que destacou que as suspeitas surgiram logo no início do processo seletivo. “Há algumas semanas, estivemos na Secretaria de Educação conversando com o secretário sobre possíveis irregularidades. Em seguida, apresentamos um ofício ao Executivo Municipal relatando falhas que deveriam ser corrigidas para evitar a eventual anulação do certame, seja por parte da Câmara, seja pelos órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) e o Ministério Público do Paraná (MPPR)”, afirmou.
Segundo ele, o documento faz referência às instruções normativas do TCE-PR e à Lei Complementar Municipal nº 052/2021, apontando diversos itens do edital e do processo seletivo que estariam em desconformidade com essas normas. “Fizemos um levantamento preliminar sobre a situação do PSS e agora apresentamos a solicitação de abertura da CPI para que essas denúncias sejam devidamente apuradas. A Câmara tem competência para fiscalizar e investigar os atos da Administração Pública”, disse o vereador.
Cópia de edital e falhas técnicas
Uma das principais denúncias diz respeito à estrutura do edital do PSS, que seria uma reprodução quase integral de um edital anterior da Prefeitura de Sobral (CE), sem as devidas adaptações legais e contextuais ao município paranaense. Além disso, candidatos relataram dificuldades para concluir a inscrição devido a “links corrompidos” na plataforma da Prefeitura e falhas no sistema, sem alternativas de comunicação eficazes, o que pode ter comprometido o acesso de pessoas que vivem em regiões com baixa conectividade, como ilhas e comunidades rurais.
Segundo os documentos apresentados aos vereadores, a comunicação de pendências foi feita apenas por e-mail, em prazos exíguos, o que fere os princípios da publicidade, eficiência e isonomia previstos no artigo 37 da Constituição Federal.
Suspeitas de favorecimento e nepotismo
Outra denúncia grave envolve a composição da comissão avaliadora do processo seletivo. Entre os integrantes, haveria pessoas com grau de parentesco direto com candidatos inscritos, como esposas, irmãs e cunhadas, o que viola os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa. Essa prática pode configurar conflito de interesses, de acordo com a Lei nº 12.813/2013 (Lei do Conflito de Interesses), e resultar na nulidade do processo seletivo.
Pontuação e critérios questionáveis
O edital estabelece que a nota máxima é de 20 pontos, distribuída entre formação acadêmica, cursos de aperfeiçoamento e tempo de experiência. No entanto, candidatos que apresentam apenas a formação mínima exigida, como o curso de Pedagogia, obrigatório para o cargo de professor, não pontuam por esse critério. Isso significa que quem cumpre rigorosamente o requisito básico já inicia a disputa com desvantagem em relação a quem possui uma segunda graduação ou pós-graduação. Um exemplo citado é o de um professor formado exclusivamente em Pedagogia com um ano de experiência, que alcançaria apenas 0,5 ponto.
Outro ponto levantado é a aceitação de certificados de pós-graduação com 80% do curso concluído, sem o devido diploma final. Tal prática fere a Resolução CNE/CES nº 1/2018, que determina a emissão de certificado apenas após a conclusão integral do curso, e pode configurar desrespeito ao princípio da legalidade.
Outras irregularidades levantadas pelos vereadores
Outras irregularidades apontadas pelos vereadores envolvem a ausência de uniformidade nos critérios de aceitação de cursos. Conforme o edital, candidatos ao cargo de professor só podem apresentar certificados emitidos nos últimos dois anos, enquanto concorrentes a funções como assistente administrativo têm permissão para apresentar documentos com até quatro anos de emissão. A discrepância, segundo os parlamentares, não possui justificativa legal ou técnica, ferindo os princípios da isonomia e da razoabilidade.
Também foi destacada a falta de fundamentação jurídica adequada no edital, que menciona apenas a Lei Complementar Municipal nº 052/2021 e o artigo 37 da Constituição Federal, ignorando a Lei Federal nº 8.745/1993, norma que disciplina as contratações por tempo determinado no âmbito da administração pública.
Além disso, os vereadores consideraram irregular o critério de desempate que estabelece o número de dependentes como fator de classificação, medida que não encontra respaldo em legislação federal e tampouco é prevista nas normas que regem concursos e processos seletivos públicos.
Próximos passos
Com a instauração da CPI, a Câmara pretende ouvir os responsáveis pela organização do certame, convocar testemunhas, requisitar documentos e apurar se houve dolo, negligência ou intenção de beneficiar determinados candidatos. A expectativa é de que, ao fim das investigações, o relatório final recomende, se for o caso, a anulação do processo seletivo, responsabilização dos envolvidos e o encaminhamento do caso ao Ministério Público.








