A relação entre três dos principais municípios do Litoral do Paraná – Matinhos, Guaratuba e Pontal do Paraná – e o Consórcio Intermunicipal de Saúde do Litoral (CISLIPA) entrou em rota de colisão. A crise, que se arrasta desde o início de 2025, atingiu seu ápice nas últimas semanas com declarações públicas, decisões judiciais, trocas de notas oficiais e articulações políticas que apontam para um novo redesenho da regionalização da saúde na região.
Embora os municípios ainda integrem formalmente o CISLIPA, os três já são participantes ativos do Consórcio Metropolitano de Serviços do Paraná (COMESP) e vêm defendendo um novo modelo de operação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), com regulação feita por Curitiba. A insatisfação se concentra na gestão administrativa e financeira do CISLIPA, responsável pela folha de pagamento dos profissionais de saúde, enquanto ambulâncias, manutenção, combustível e demais estruturas seguem sob responsabilidade direta dos municípios.
O início da crise: reajustes salariais e repasses dobrados
A tensão começou com a implementação de um plano de valorização salarial por parte da nova gestão do consórcio, presidida desde janeiro pelo prefeito de Paranaguá, Adriano Ramos (Republicanos), e sob a direção-executiva do dentista Daniel Fangueiro. Alegando a necessidade de corrigir distorções históricas, já que os servidores efetivos não recebiam reajuste real desde 2012, o consórcio aprovou um aumento de 30% nos salários dos funcionários concursados e de até 98% para os comissionados em cargos de diretoria, além da elevação do vale-alimentação para R$ 1.500.
Confira o antes e o depois dos salários

Para viabilizar os reajustes, os prefeitos consorciados aprovaram o aumento de 50% de repasse ao consórcio. No entanto, Matinhos e Pontal do Paraná passaram a questionar os impactos financeiros da medida e acionaram o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR), que determinou a suspensão cautelar dos pagamentos.
No dia 24 de abril, diante da decisão do TCE e do atraso nos salários, os servidores celetistas do consórcio aprovaram estado de greve. Dois dias depois, em 26 de abril, a Justiça do Trabalho concedeu liminar favorável ao sindicato da categoria (SINDEESP), autorizando a continuidade dos pagamentos dos reajustes exclusivamente aos celetistas, sob pena de multa diária de R$ 2 mil. A decisão considerou o risco de paralisação dos serviços essenciais, a boa-fé dos trabalhadores e a vedação à redução salarial.
Dalmora detalha motivos para rompimento com modelo atual do CISLIPA
O episódio revelou rachaduras profundas entre os gestores municipais. O prefeito de Matinhos, Eduardo Antonio Dalmora (PL), fez declarações públicas duras contra a condução do consórcio que, segundo ele, tem uma “gestão insustentável”.
De acordo com ele, a nova gestão teria se comprometido, ao assumir a presidência, a realizar uma auditoria nas contas da entidade – compromisso não cumprido até o momento. “O que aconteceu foi o contrário. Em vez de cortar custos, aumentaram os salários e o vale-alimentação. O CISLIPA está quebrado”, disse.

Ele disse ainda que, diante da ausência de diálogo e da sobrecarga financeira imposta por decisões unilaterais, Matinhos e os demais municípios insatisfeitos já estão avançando para colocar a regulação do SAMU sob responsabilidade de Curitiba. A previsão, segundo ele, é que a mudança ocorra a partir de julho.
“Matinhos pagava R$ 91 mil por mês ao consórcio. Agora, querem cobrar R$ 180 mil. Com Curitiba, fechamos por R$ 80 mil mensais, com ambulância Alfa, médico, enfermeiro, tudo incluso, atendendo Guaratuba e Pontal. E, com o credenciamento da ambulância junto ao Ministério da Saúde, esse custo ainda cairia para R$ 60 mil”, explicou.
O prefeito também criticou a centralização dos serviços em Paranaguá. Segundo ele, a única ambulância Alfa em operação atende quase que exclusivamente aquele município, enquanto as demais cidades seguem desassistidas na maior parte do tempo. “É sempre assim: você perde R$ 100 mil aqui, R$ 150 mil ali. Não dá mais para aceitar esse descaso com o dinheiro público”.
Ao concluir, Dalmora reforçou sua posição. “Estou solidário com o que Matinhos ainda deve ao consórcio. Mas, diante de má gestão e incompetência, estou fora”, declarou.
Saída planejada e articulação no COMESP
Embora ainda não tenham formalizado a saída do CISLIPA, os municípios de Matinhos, Guaratuba e Pontal já são membros do COMESP e avançam na reestruturação do atendimento de urgência. A proposta é que o novo modelo seja coordenado pela regulação de Curitiba, com base regionalizada em Matinhos, atendimento compartilhado entre as cidades e novos veículos Alfa e Bravo, incluindo veículos reserva.
Em Brasília, no dia 21 de maio, o prefeito de Pontal do Paraná, Rudão Gimenes (MDB), representou os três municípios em reunião com autoridades do Ministério da Saúde e da Casa Civil. A proposta foi bem recebida e já conta com alinhamento técnico da Rede de Urgência e Emergência.
“A gestão do SAMU feita pelo COMESP representa mais eficiência, cobertura regionalizada e economia aos cofres municipais. Vamos investir menos e ter mais qualidade no atendimento”, afirmou Rudão.

Atualmente, Pontal repassa R$ 99 mil por mês ao CISLIPA. Com o novo modelo, o investimento cairia para R$ 85 mil, incluindo recursos federais, insumos, manutenção, combustível, uniformes e pessoal.
Resposta do CISLIPA: “Estamos sendo enfraquecidos”
Em nota divulgada em 28 de maio, o CISLIPA criticou a aproximação dos municípios com a ACISPAR e o COMESP, rechaçou as acusações feitas por prefeitos e reafirmou a legalidade das medidas adotadas pela atual gestão. Segundo o consórcio, todas as contas foram aprovadas pelo TCE-PR e o reajuste salarial concedido aos servidores seguiu modelos adotados por outros consórcios públicos. A nota também argumenta que, apesar da valorização salarial, houve redução nos gastos com horas extras.
O consórcio ainda criticou a presidente da Associação dos Consórcios e Associações Intermunicipais de Saúde do Paraná (ACISPAR) e do COMESP, Karime Fayad, por suposto conflito de interesses, ao liderar uma entidade que deveria mediar impasses, mas que estaria “vendendo serviços que o CISLIPA já presta”. “A atuação da ACISPAR enfraquece a 1ª Regional de Saúde e interfere na organização da assistência. Reiteramos nosso compromisso com a transparência e seguimos abertos ao diálogo com todos os municípios”, disse.
Nota conjunta de repúdio dos prefeitos
No mesmo dia, os prefeitos Rudão Gimenes, Eduardo Dalmora e Maurício Lense (Podemos), de Guaratuba, divulgaram uma nota de repúdio contra o CISLIPA, após as declarações do consórcio à imprensa. No texto, os prefeitos acusam o CISLIPA de agir de forma “ofensiva” e de ignorar a sua natureza de instrumento de gestão compartilhada, subordinado aos interesses dos municípios consorciados.
A nota também aponta problemas estruturais no CISLIPA, como ausência de certidões e documentos essenciais para recebimento de recursos públicos, desorganização administrativa e tentativas de responsabilização indevida dos municípios. “É inaceitável que o CISLIPA queira impedir a atuação do COMESP e ainda ataque a ACISPAR, entidade técnica reconhecida. Seguiremos firmes na defesa de uma saúde pública regional mais eficiente e transparente”, destacou a nota.
Apesar do embate político e institucional, é importante destacar que o CISLIPA, na atual estrutura, atua apenas na gestão de recursos humanos dos serviços consorciados, no caso, apenas o SAMU. A responsabilidade por ambulâncias, manutenção, insumos, combustíveis e equipamentos é dos próprios municípios.








