Por Luiza Rampelotti
A costureira Vânia Araújo Lima ainda se emociona ao repetir a frase que decidiu estampar na vitrine de seu ateliê, no bairro Vila Horizonte, em Paranaguá: “Escola pública sempre”. O cartaz, com o rosto da filha, Janaína Araújo Matos, é mais do que um símbolo de orgulho: é uma afirmação de resistência, um recado para toda a cidade de que é possível, sim, vencer as barreiras sociais, mesmo quando o ponto de partida é a periferia e a rede pública.
Aos 20 anos, Janaína foi aprovada em Medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR), o curso mais concorrido da instituição. Entre os mais de 45 mil candidatos, sendo 64 inscritos por vaga, ela é, até o momento, a única estudante de escola pública de Paranaguá a conquistar essa vaga. “É um orgulho enorme, mas mais do que isso, é uma forma de mostrar para outros jovens daqui que a gente também pode. Que não é só quem estudou em escola particular, em grandes cidades, que consegue entrar em uma federal”, afirma a futura médica em entrevista à Ilha do Mel FM.
Além de ser a única estudante de escola pública de Paranaguá a ingressar no curso de Medicina da UFPR este ano, Janaína também é a primeira da família a entrar em uma universidade. Filha de uma costureira e de um vigilante, ela rompe uma barreira geracional e social, se tornando o primeiro elo de uma nova história marcada pelo acesso ao ensino superior. “Na nossa família ninguém teve essa oportunidade. Eu não tenho faculdade, meu marido também não. Ela está abrindo um caminho novo, que vai inspirar não só a gente, mas outras pessoas também”, destaca Vânia, emocionada.
Trajetória na rede pública
A trajetória de Janaína foi construída inteiramente dentro da rede pública de ensino de Paranaguá. Ela iniciou os estudos na Escola Municipal Castelo Branco, passou pela Escola Municipal Nascimento Júnior, Escola Municipal Almirante Tamandaré, Colégio Estadual José Bonifácio, Colégio Estadual Faria Sobrinho e concluiu o Ensino Médio no Colégio Estadual Alberto Gomes Veiga. “Sempre fui uma aluna mediana, nunca tirei só nota 10. Mas sempre gostei de aprender, especialmente sobre o corpo humano. A medicina me fascinava desde cedo, mas era um sonho que parecia distante demais”, conta.
Foi ainda adolescente, aos 13 anos, assistindo à série Grey’s Anatomy, que Janaína começou a pensar em seguir a profissão. A ideia foi amadurecendo com o tempo, mas a realidade de quem estuda na escola pública, sem apoio estruturado para os vestibulares, fez o sonho ser adiado várias vezes. “É muito comum a gente achar que não vai conseguir, não por falta de capacidade, mas por falta de informação. Ninguém explica direito como funciona o vestibular, o sistema de cotas, os auxílios. E aí muita gente já desiste antes de tentar”, diz.

Em 2021, com o apoio da irmã mais velha, Sabrina Araújo Matos, ela se mudou para Curitiba para estudar em um cursinho, e iniciou uma rotina intensa de preparação. Foram três anos entre estudos, inseguranças, idas e vindas entre listas de espera, até que a aprovação veio: Janaína conquistou a vaga dentro das cotas para estudantes de escola pública, alcançando o 10º lugar no vestibular de 2024.
Mas por trás dessa conquista, há a força de uma mulher que fez tudo isso ser possível: a mãe, Vânia.
“Minha filha vai ser médica”
Vânia Araújo chegou em Paranaguá há 31 anos, vinda do interior do Nordeste. Professora, trocou o magistério pela costura para garantir o sustento da família. “Sou mais parnanguara do que nordestina hoje”, brinca. No pequeno ateliê onde trabalha ao lado do marido, Murilo da Rocha Matos, costura os jalecos da filha, que começam a tomar forma antes mesmo do início das aulas, em agosto.
“Eu sempre disse para os meus filhos: a obrigação de vocês é terminar o segundo grau. Se quiserem fazer faculdade depois, tudo bem, mas têm que concluir os estudos. A Janaína sempre teve essa vontade de estudar mais. Quando ela decidiu que queria medicina, eu disse: ‘Filha, você pode. Mas tem que estudar. Tem que ralar. E você sabe de onde você vem, né?’”, conta.
A trajetória da filha foi acompanhada de perto. Os custos da vida em Curitiba, as longas horas de estudo, as dúvidas, o medo de não conseguir. “Ela chegou a pensar em desistir. Mas a irmã mais velha disse: ‘Se você quer medicina, eu vou trabalhar e te ajudar’. E foi isso que fizemos. Eu e o pai dela ajudamos como podíamos, mas muito disso é mérito das duas. Ver agora que ela passou, e passou bem, é uma felicidade que não tem preço”, afirma Vânia.
Mesmo com todas as dificuldades, ela nunca deixou de acreditar. “Quando ela me contou que ia tentar medicina, eu falei: ‘Vai e estuda. Porque se você quer mesmo, você vai passar. E passou’. Quando olho para ela, eu penso: minha filha vai ser médica. E isso, para uma mãe, é a maior vitória do mundo”.
Mensagem para os estudantes da rede pública
Janaína ainda se prepara para o início do curso, que começa no segundo semestre. Entre ansiedade e entusiasmo, ela tem consciência de que sua aprovação representa mais do que uma conquista pessoal. “Eu sei o que é estar no ensino médio e não fazer ideia de como chegar até aqui. Por isso, meu recado para quem está hoje nas escolas públicas de Paranaguá é: busquem informação. Tem muita coisa gratuita na internet, tem canais que explicam o vestibular, os sistemas de cotas, os cursinhos sociais. Não desistam antes de tentar”, conta.
E completa: “Eu não era aluna de destaque, não tinha grana para estudar fora desde o início. Mas fui atrás, contei com o apoio da minha família, e consegui. Escola pública tem potencial. A gente só precisa acreditar. E persistir”, conclui Janaína Araújo Matos.