Por Luiza Rampelotti
As raízes que tomaram conta da tubulação de águas pluviais na Rua João Régis, em Paranaguá, são apenas a ponta de um problema muito mais profundo: a ausência histórica de manutenção no sistema de drenagem urbana da cidade. A situação veio à tona após a publicação de imagens pelo secretário municipal de Obras, Ozéias Rebello Costa, que mostravam o estado crítico das galerias, com paralelepípedos removidos para acesso à estrutura completamente obstruída. “Isso demonstra que não havia manutenção ali há muito tempo”, afirmou o secretário.
A Ilha do Mel FM ouviu Ozéias, que respondeu a uma série de perguntas sobre a situação das galerias pluviais em Paranaguá. Segundo ele, embora ainda esteja em andamento um mapeamento completo das áreas mais críticas – trabalho que será aprimorado por um convênio com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) – já é possível afirmar que há sérios problemas em diversos bairros da cidade. “A gente identifica vários pontos de alagamento e falta de manutenção“, disse.
Raízes, lixo e intervenções irregulares
Além das raízes, o secretário relatou que a Secretaria encontrou casos em que a própria concessionária Paranaguá Saneamento, responsável pela rede unitária de esgoto, obstruiu as galerias pluviais ao instalar a rede separadora. “Temos fotos dessas intervenções e certamente existem muitas outras. Eles empurraram tudo para a Prefeitura”, denunciou.
Um dos pontos mais críticos apontados pelo secretário de Obras diz respeito à cobrança da tarifa de esgoto pela concessionária Paranaguá Saneamento mesmo em áreas onde não havia rede separadora implantada. Segundo Ozéias, durante anos, a empresa utilizou as galerias de águas pluviais do município para dar vazão ao esgotamento sanitário, sem realizar a devida manutenção dessas estruturas.
“A concessionária, desde que assumiu o sistema de Paranaguá, cobrava pelo esgotamento sanitário mesmo que não houvesse a implantação da rede separadora. Quando finalmente implantaram, passaram a empurrar toda a responsabilidade da manutenção das galerias para a Prefeitura”, afirmou.
Ainda de acordo com ele, a ausência de intervenções durante esse período contribuiu para o agravamento do quadro atual, com galerias completamente obstruídas em diversos pontos da cidade. “Receberam por anos e agora transferem o passivo à gestão municipal. Precisamos encontrar um meio-termo para resolver essa questão”, disse.
Questionado sobre a última limpeza preventiva nas galerias, Ozéias foi direto. “Não posso afirmar quando foi feita. Certamente foi negligência, tanto da concessionária quanto da própria Prefeitura”, disse. O Município não tem contratos vigentes para esse serviço. As intervenções atuais estão sendo realizadas por equipes da Prefeitura, especialmente em regiões que recebem obras de pavimentação.
Um único caminhão para toda a cidade
Atualmente, a limpeza das galerias é realizada com um caminhão hidrojato, que utiliza jatos de água de alta pressão e sucção para desobstruir os tubos. O serviço está concentrado nas regiões do Bockman, Alvorada e Raia, locais que passam por recuperação do pavimento. No entanto, o secretário admite que a demanda é muito maior do que a capacidade operacional atual. “Temos apenas um caminhão. Estamos pleiteando junto ao Governo do Estado a cessão de mais um”, disse.
Alagamentos, prejuízos e ocupações irregulares
Além da sujeira acumulada nas galerias, o secretário destaca que o problema dos alagamentos em Paranaguá é mais complexo e estrutural. Um dos fatores críticos apontados é o entupimento com areia, que tem se mostrado recorrente em várias regiões da cidade.
“O acúmulo de sujeira é apenas uma parte do problema em relação aos alagamentos. Tem outros problemas mais sérios, como o entupimento com areia”, afirmou.
Outro agravante citado por Ozéias é o crescimento urbano desordenado, que resultou na ocupação do leito de antigos canais de drenagem. Em muitos casos, casas e construções foram erguidas sobre essas estruturas, impedindo a passagem da água.
“Existem grandes problemas como a ocupação do leito de canal, onde construções foram feitas em cima desses canais. Esses sistemas atendiam outra realidade. Com o aumento da pavimentação, da impermeabilização das ruas, essas tubulações deixaram de dar conta do volume atual de água”, explicou.
Embora a Secretaria de Obras não tenha um levantamento sistematizado dos prejuízos causados aos moradores, há processos em andamento contra a Prefeitura por danos causados em imóveis durante chuvas intensas. “Temos sido cobrados diretamente pela população“, pontuou.
A Prefeitura deve divulgar nos próximos dias um mapa detalhado com a divisão entre as áreas cobertas pelo sistema unitário (sob responsabilidade da concessionária) e o sistema separador (sob responsabilidade da Prefeitura). A intenção é dar mais transparência e permitir que a população saiba a quem cobrar.
Além disso, está em fase final o desenvolvimento de um aplicativo para celular que permitirá que o cidadão solicite diretamente à Secretaria de Obras a limpeza de galerias, sem precisar comparecer fisicamente ao prédio da Prefeitura. “Vai facilitar muito a comunicação com a população”, garantiu o secretário.
Relatório público em breve
Por fim, Ozéias afirmou que a Secretaria está elaborando relatórios trimestrais com todas as ações realizadas, incluindo as de drenagem urbana. O relatório do segundo trimestre será concluído ainda em junho. A expectativa é de que, após avaliação da Secretaria de Governo, esses documentos também sejam tornados públicos.
“Nós vamos continuar cobrando a concessionária, principalmente nas áreas onde o sistema unitário ainda prevalece. É uma região muito grande e não pode continuar abandonada. O que vemos hoje é fruto da falta de responsabilidade de anos atrás”, concluiu o secretário.
Concessionária nega responsabilidade por obstruções e defende modelo de operação
Em resposta à Ilha do Mel FM, a Paranaguá Saneamento negou que a execução da rede separadora de esgoto tenha causado obstruções nas galerias pluviais. Segundo a empresa, “a Paranaguá Saneamento desconhece que parte das obstruções nas galerias de águas pluviais tenham sido causadas pela execução da rede separadora de esgoto”.
A concessionária afirmou que, nas regiões em que realiza obras, a limpeza e desobstrução das redes já foram concluídas e que, “nos próximos dias será encaminhado o projeto ‘as built’ para entrega da obra da região”. Ainda de acordo com a nota, essa entrega será acompanhada por representantes da CAGEPAR e da Secretaria Municipal de Obras (SEMOP).
Sobre a manutenção das galerias no sistema unitário, a empresa declarou que esse modelo de rede é “válido, consolidado, eficiente e amplamente utilizado no mundo todo”, e que não possui obrigação contratual de substituir a estrutura existente. Informou que realiza manutenção “apenas quando o serviço de esgotamento é comprometido por alguma obstrução na rede”.
A Paranaguá Saneamento também declarou que mantém um cronograma de manutenções, já encaminhado à Prefeitura, e que envia relatórios anuais à CAGEPAR com todos os serviços realizados. Segundo a nota, “mesmo que exista o assoreamento nessas tubulações, o diâmetro é mais que suficiente para o escoamento do esgoto”, mas reconhece que o assoreamento pode afetar o escoamento da água da chuva.
A empresa argumentou ainda que o problema da drenagem na cidade é agravado por fatores estruturais e culturais: “o sistema de drenagem não acompanhou o crescimento populacional, estando subdimensionado para atender a demanda. Somado a isso, existe um desafio cultural referente à correta destinação do lixo”.
Em relação à cobrança da tarifa de esgoto em locais onde a rede separadora ainda não havia sido implantada, a concessionária alegou que a prática está prevista na legislação local: “Conforme Lei Municipal 2000/97, mesmo antes da implantação da rede separadora em alguns pontos da cidade, a concessionária prestava o serviço de coleta e afastamento de esgoto com cobrança de tarifas diferenciadas”.
A Paranaguá Saneamento afirmou que “os possíveis impactos nas estruturas, em decorrência das obras de implantação de redes, foram prontamente solucionados”, e atribuiu à falta de cronograma oficial por parte da Prefeitura a dificuldade de responder a intervenções emergenciais. “Solicitamos a essa secretaria o cronograma de obras de pavimentação a serem realizadas (solicitação pelo Ofício 198, reiterado pelo Ofício 295) e até a presente data não recebemos”, diz a nota.
Por fim, a concessionária declarou que “não há registros de falhas ou de cobranças, notificações e processos administrativos relacionados ao tema”, e que desde 2017 já investiu mais de R$ 350 milhões em saneamento em Paranaguá, alcançando 98% de cobertura de esgoto no município.









