Por Luiza Rampelotti
No mesmo endereço onde já funciona a Casa da Mulher Parnanguara, construída há pouco mais de um ano com recursos públicos e a promessa de oferecer acolhimento humanizado a vítimas de violência, um novo serviço passará a ser ofertado. É na Avenida Ford, nº 177, ao lado da Escola Municipal Professora Berta Rodrigues Elias, no bairro Emboguaçu, que deve ser implantado, até junho, o primeiro Centro de Referência à Mulher Vítima de Violência (CRAM) do Litoral do Paraná.
Aprovado no fim de abril pelo Conselho Municipal da Mulher (CMDM), o CRAM será gerido pela Secretaria Municipal da Mulher (SEMMU), com suporte da Secretaria de Estado da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa (SEMIPI). Paranaguá se junta aos 15 municípios paranaenses que já contam com esse tipo de equipamento público de média complexidade, voltado ao enfrentamento direto das múltiplas formas de violência de gênero.
Mas, afinal, o que muda?
Na teoria, o novo centro atuará em sinergia com o espaço já existente – a Casa da Mulher Parnanguara – ampliando e especializando os atendimentos. Na prática, o anúncio da implantação do CRAM representa uma reconfiguração profunda da estrutura e do funcionamento atual da Casa, que vinha operando com limitações, ausência de regulamentação formal e sobreposição de atendimentos com o Centro de Referências Especializado de Assistência Social (CREAS), como explicou à Ilha do Mel FM a secretária da Mulher, Daiane Ávila Christakis.
“A Casa funcionava praticamente apenas como espaço de acolhimento, e de forma irregular, sem a regulamentação via legislação para a criação da Casa e o funcionamento dos serviços oferecidos. O que havia era uma diretriz e que, inclusive, estava em desacordo com as diretrizes nacionais de abrigamento voltadas às políticas da mulher. Atendíamos quando a polícia ou outro órgão encaminhava, mas não podíamos divulgar o endereço, nem receber espontaneamente. Isso violava diretrizes nacionais. Por isso, propusemos a retirada do sigilo e estamos regularizando todos os serviços”, afirmou Daiane.

Segundo a gestora, embora o prédio tenha sido concebido com a estrutura necessária para abrigar um CRAM, faltavam profissionais, normativa clara e integração à Rede de Proteção. Sem psicóloga fixa, o atendimento era feito por uma profissional duas vezes por semana. Ao assumir a SEMMU no início de janeiro deste ano, a nova gestão identificou atendimentos duplicados com o CREAS e ausência de articulação institucional.
O CRAM virá, então, como a oficialização e qualificação da estrutura. Com ele, o município passa a contar com atendimento imediato e individualizado a mulheres vítimas de violência doméstica e sexual, que poderão ser acolhidas diretamente após o registro de boletim de ocorrência ou ao buscar o serviço por iniciativa própria. O objetivo é oferecer intervenção precoce e orientações jurídicas, sociais e psicológicas no momento em que a mulher mais precisa de suporte, evitando o retorno ao ambiente de violência.
“Queremos que a mulher, assim que sair da delegacia, vá diretamente para o CRAM. Se ela não tiver condições, iremos buscá-la. O atendimento será imediato, com acolhimento humanizado, individual e posterior encaminhamento ao que for necessário. Esse tempo de resposta faz diferença para que ela não volte para o agressor. Além disso, as rodas de conversa com vítimas, que hoje não estão sendo realizadas, serão retomadas”, reforçou Daiane.
CRAM de portas abertas, acolhimento 24h
A diretora da SEMMU, Camila Valentim, explicou que a Casa da Mulher vinha operando apenas como acolhimento sigiloso, sem divulgação ampla, o que limitava seu alcance. Com a regulamentação do CRAM, o local será reorganizado para abrigar três serviços distintos:
- CRAM (Centro de Referência à Mulher) – atendimento de portas abertas, voltado a mulheres vítimas de violência doméstica e sexual, com enfoque em casos com medidas protetivas e boletins de ocorrência.
- Acolhimento institucional 24h – para mulheres em situação de risco, com identidade preservada e equipes de sobreaviso para atendimentos durante madrugadas e feriados.
- Serviço Maria da Penha – já em funcionamento, responsável por articulações e ações de proteção a mulheres com medidas judiciais.
Além de evitar duplicidade de funções com o CREAS e alinhar o modelo ao que é recomendado pelo Governo Federal e pelo Estado, a mudança também possibilitará a implementação do Programa Recomeço, política pública estadual que visa promover a autonomia financeira de vítimas em situação de vulnerabilidade.
Recomeço: meio salário para reconstruir vidas
O Programa Recomeço prevê o pagamento de 50% do salário mínimo para mulheres em risco, com base em critérios como medida protetiva em vigor, afastamento do domicílio por risco iminente, situação de vulnerabilidade social e residência no Paraná. Casos prioritários incluem tentativas de feminicídio, lesão grave, gestantes, mães de crianças pequenas, idosas e mulheres com deficiência.
“O CRAM é o equipamento ideal para operacionalizar o Recomeço. Com essa política, queremos não só proteger, mas garantir condições reais para que essas mulheres possam sair do ciclo de violência com dignidade e meios concretos para seguir em frente”, disse Camila Valentim.
Fluxo em construção e política em consolidação
A SEMMU reconhece que o novo modelo exigirá um redesenho completo do fluxo de atendimento à mulher em Paranaguá. Isso inclui capacitação de equipes, integração entre órgãos, reorganização de práticas anteriores e comunicação clara com a população.
“A mulher precisa saber aonde ir, quando ir e o que esperar. Estamos estruturando isso. O CRAM é mais do que uma sigla, é uma forma de garantir que nenhuma mulher seja desamparada no momento em que mais precisa”, concluiu a secretária Daiane.
A expectativa da Prefeitura é que o centro esteja formalmente implantado até junho, após conclusão do processo de regulamentação na Procuradoria da Mulher da Câmara Municipal.
A ex-secretária da Mulher, Luciana Picanço, foi procurada para comentar as declarações da atual gestão, mas optou por não se manifestar.









