Por Luiza Rampelotti
No primeiro dia do mês de abril, que abre a campanha mundial Abril Azul de conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), a Câmara Municipal de Paranaguá aprovou, em sessão plenária na última terça-feira (1º), o Projeto de Lei nº 6542/2025, que institui o Estatuto Municipal da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e outros Transtornos do Neurodesenvolvimento. O projeto é de autoria do vereador Halleson Ricardo Stieglitz (União) e agora segue para sanção do prefeito Adriano Ramos (Republicanos).
A proposta estabelece diretrizes e políticas públicas para garantir atendimento qualificado, diagnóstico precoce e inclusão escolar e social de pessoas com transtornos do neurodesenvolvimento. Entre os principais pontos da nova legislação estão a criação de um fluxo de atendimento integrado entre as áreas de Saúde, Educação e Assistência Social, a formação de equipes multiprofissionais e o credenciamento de clínicas especializadas para ampliar o acesso da população aos serviços.
Segundo o texto aprovado, o atendimento deverá ser oferecido por equipes compostas por profissionais como psicólogo, psicopedagogo, psicomotricista, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, médico especialista, fisioterapeuta, nutricionista e educador físico. O projeto também prevê o uso de metodologias reconhecidas internacionalmente no acompanhamento de pessoas com autismo, como ABA (Análise do Comportamento Aplicada), PECS, TEACCH e Denver.
Além disso, as clínicas e entidades privadas credenciadas deverão reservar, no mínimo, 25% de suas vagas para atendimentos gratuitos destinados à população, priorizando o modelo multidisciplinar. A fila de espera e o cadastro de reserva para esse atendimento será responsabilidade da Prefeitura de Paranaguá, por meio de suas secretarias e órgãos competentes.
O projeto também trata da inclusão escolar e da formação de educadores para identificar sinais de transtornos do neurodesenvolvimento e fazer os devidos encaminhamentos. A proposta assegura o suporte escolar complementar adaptado às necessidades individuais de cada aluno, além de garantir estrutura física e material pedagógico adequado nas unidades de ensino da rede municipal.
Experiência própria
O projeto aprovado é reflexo direto da trajetória pessoal de Halleson Stieglitz, que além de vereador é pai de Bernardo, de cinco anos, uma criança autista. “Ser pai de uma criança atípica é uma missão. É desafiador, mas também muito gratificante. A gente aprende que nenhum autista é igual ao outro. Cada criança tem suas características, sua forma única de se comunicar e de enxergar o mundo”, afirmou Halleson em entrevista à Ilha do Mel FM, nesta quarta-feira (2), Dia Mundial da Conscientização do Autismo.
A experiência com o filho impulsionou o vereador a mergulhar nos estudos sobre neurodesenvolvimento e levar essa pauta para a esfera pública. “Nós não estávamos preparados para o diagnóstico. Como a maioria das famílias, fomos pegos de surpresa. Foi preciso buscar informação, entender o que significava aquilo tudo, correr atrás de tratamento, plano de saúde, terapias. E percebemos que não éramos os únicos”, relatou.
Com essa vivência, Halleson criou o projeto “Autismo na Prática e Neurodiversidade”, que se tornou uma associação registrada com sede própria em Paranaguá: a Amigos da Inclusão – AME. A entidade organiza encontros de famílias atípicas, grupos de apoio para mães, capacitações com profissionais da área da saúde e educação, e atua fortemente em campanhas de arrecadação e ações comunitárias.
“Agora o projeto virou associação. Temos uma sede, grupos de WhatsApp com mais de 400 famílias, realizamos encontros e promovemos informação. Nosso objetivo é ser um braço de apoio para quem está nessa jornada. Se não forem os pais a segurarem a base, ninguém vai ser”, destacou.
Uma política pública que nasce da escuta
Na justificativa apresentada à Câmara, o vereador Halleson Stieglitz destacou a urgência da medida diante da realidade enfrentada por diversas famílias em Paranaguá. “É verdade que muitas famílias enfrentam dificuldades em obter o atendimento adequado para crianças com Transtorno do Neurodesenvolvimento. A falta de recursos, profissionais capacitados e serviços especializados pode limitar o acesso às intervenções e tratamentos necessários”, apontou.
Ainda segundo o parlamentar, a fila de espera para atendimento na Secretaria Municipal de Inclusão (SEMI) chega a dois anos. “É importante que essa questão seja discutida e que haja um esforço conjunto entre a sociedade, os profissionais de saúde e os gestores públicos para melhorar o atendimento e garantir os direitos das crianças e adolescentes com Transtorno de Neurodesenvolvimento”, reforçou.
Stieglitz também defende o trabalho das equipes multidisciplinares como ferramenta essencial para a melhora da qualidade de vida das crianças e de suas famílias. “O trabalho da equipe multiprofissional melhora a qualidade de vida da criança, do adolescente e da sua família, pois esse tratamento interage diretamente com os sentimentos e expectativas de uma vida mais tranquila”, afirmou.

Além do estatuto, o vereador também apresentou outro projeto de lei aprovado no mesmo dia, que inclui o TEA, síndromes e doenças raras entre os critérios para isenção de IPTU no município. A medida visa aliviar financeiramente famílias que enfrentam altos custos com terapias, medicamentos e deslocamentos.
O desafio da inclusão real
Halleson reconhece que ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Existe uma falsa inclusão. Colocar uma criança autista numa sala com outras 20 crianças e deixá-la isolada num canto não é inclusão. A sociedade ainda precisa aprender como lidar com o autismo, e isso passa por educação, empatia e política pública”, disse à Ilha do Mel FM.
A associação Amigos da Inclusão também realiza campanhas, como a “Blitz da Conscientização” nas ruas da cidade, palestras com certificação, ações sociais em datas comemorativas e formação de pais com apoio profissional. “É preciso acolher as famílias e prepará-las, porque o tratamento não acontece só na clínica. O maior avanço acontece dentro de casa, na convivência, no afeto e na persistência”.
Próximos passos
Se sancionado pelo Executivo, o Estatuto Municipal da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista entrará em vigor 90 dias após sua publicação. A expectativa é que, ainda em 2025, o município comece a regulamentar a política pública, abrindo processo de credenciamento de clínicas e ampliando o número de atendimentos especializados.