O Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Paraná (MPPR) e comunidades tradicionais reuniram-se, na manhã desta quarta-feira, com a Justiça Federal, por meio da 11ª Vara Federal de Curitiba (PR), para expor as principais consequências e impactos que o empreendimento do Porto Guará acarretará na localidade. O caso foi objeto de uma ação civil pública (ACP), proposta em 31 de janeiro deste ano, por meio da qual os Ministérios Públicos pedem a suspensão imediata do processo de licenciamento ambiental do Terminal de Uso Privado (TUP) Porto Guará, no litoral.
O encontro ocorreu na sede da Justiça Federal de Curitiba. O MPF foi representado pela procuradora da República Monique Cheker, titular do 15º Ofício da 15ª Procuradoria da República do Paraná, e o MPPR pela promotora de Justiça Dalva Medeiros, itular do Núcleo do Litoral do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (Gaema).
O principal objetivo da reunião foi dar voz às comunidades indígenas, pesqueiras e caiçaras que tiveram a oportunidade de expor ao Judiciário Federal os reais impactos do empreendimento em suas tradições e modo de vida de seus membros. Estudos do impacto ambiental realizados pelos responsáveis pelo empreendimento ignoram laudos antropológicos e peculiaridades inerentes a cada comunidade da região.
Juliana Kerexu, da comunidade Takuaty, na Ilha da Cotinga em Paranaguá (PR), destaca que as lideranças estão sendo violadas e apagadas por muitos anos. Ressalta que as comunidades, que lá vivem muito antes do início do projeto do porto, precisam se fortalecer em conjunto com os órgão deliberativos para que suas tradições de modos de vida sejam respeitados.
Já os membros da comunidade da Ilha do Teixeira destacam que a região é berço onde os peixes desovam, contudo, o local apresenta uma quantidade de peixes cada vez menor, o que impacta em diversos aspectos, sobretudo econômico, o modo de vida local. Destacam, ainda, que as medidas compensatórias apresentadas pelos estudos dos responsáveis pelo empreendimento do Porto Guará não levam em conta as reais necessidades da comunidade e que os diálogos ocorrem de forma superficial, o que resulta em medidas que pouco impactam a vida destas pessoas. Um exemplo desse contrassenso é a construção de diversos trapiches na região, no tempo em que a real necessidade da comunidade é na área de saúde e educação.
Neste contexto, os MPs defendem a necessidade de anular o atual estudo de impacto ambiental produzido pelos empreendedores do Porto Guará e considerar a opinião das comunidades por meio de uma consulta livre, prévia e informada. Isso propiciará um efetivo diálogo entre empreendedores e pessoas afetadas, e resultará em medidas compensatórias efetivas, que impactam de forma substancial as comunidades. Acerca da “consulta livre, prévia e informada”, Jaqueline Andrade, assessora jurídica da Organização Terra de Direitos, destaca que deve ser construído de forma acessível, de modo que indígenas, caiçaras e pescadores conheçam seus direitos.
Por fim, outro ponto levantando pelo MPF, contido nos laudos de estudos antropológicos, foi o fato de que as comunidades se deslocam pelo litoral para exercerem o ato de pesca. Logo, considerando essa peculiaridade, a área considerada de impacto, compreendida pelo atual estudo, deve ser ampliada, uma vez que não corresponde à realidade.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Paraná (MPPR) pediram em janeiro na Justiça Federal a suspensão imediata do processo de licenciamento ambiental do Terminal de Uso Privado (TUP) Porto Guará, no litoral. Na ação civil pública, os órgãos requerem a realização de consulta prévia e estudo antropológico de todas as comunidades tradicionais situadas a menos de oito quilômetros do local e de outras mais afastadas que sejam afetadas pelo empreendimento, como a Comunidade Ilha do Mel, para aferimento dos reais impactos sociais e culturais do Porto Guará.
Após a realização da consulta prévia, os órgãos solicitam apresentação do novo Termo de Referência, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e do novo Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), pelo empreendimento. Os responsáveis pelo Porto Guará devem elaborar ainda novo Estudo de Componente Indígena (ECI).
De acordo com o MPF e o MPPR, comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas, caiçaras e cipozeiras, vivem a menos de cinco quilômetros do empreendimento – o que representa ameaça aos costumes e condições de vida desses povos – sem que sequer tenham sido consultadas. A proximidade do complexo portuário viola ainda o parâmetro mínimo espacial para afetação de comunidades tradicionais, que é de dez quilômetros na Amazônia Legal e oito quilômetros para outras regiões. A regra é definida em portaria interministerial sobre procedimentos administrativos de licenciamento ambiental de competência do Ibama. “Dezenas de comunidades tradicionais, além de outras parcialmente tradicionais, estão dentro do raio de oito quilômetros e foram totalmente ignoradas”, ressaltam.
Para os órgãos, não se discutem os benefícios econômicos do Porto Guará, mas o fato de não terem sido devidamente consultadas as pessoas afetadas, considerando que o desenvolvimento econômico deve coexistir com a livre iniciativa e o desenvolvimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado. “O desenvolvimento sustentável é norteado pelo equilíbrio entre o progresso econômico e a preservação ambiental e, no caso concreto, foram interesses econômicos que fizeram que dezenas de comunidades impactadas fossem deixadas de lado sem justificativa”, destaca trecho do documento.
Além de diversas comunidades tradicionais não terem sido consultadas, o Estudo de Componente Indígena (ECI) não foi aprovado em sua integralidade pelas comunidades Tekoa Takuaty e Pindoty, que expuseram ressalvas ao empreendimento. Por isso, o MPF e o MPPR defendem que o estudo deve ser reanalisado de acordo com o Protocolo Autônomo de Consulta das comunidades indígenas da Ilha da Cotinga, que está em fase de elaboração. Nesse sentido, o Ibama não poderia aprovar o EIA/RIMA apresentado pela empresa, pois deve estar totalmente conectado com o ECI desde a sua origem. Há ainda risco a áreas de pesca, agricultura, extrativismo, turismo e recreação. No município de Paranaguá, onde será construído o complexo portuário, existem oito comunidades pesqueiras.
Com informações e imagens da MPF/PR