Por Luiza Rampelotti
O mês de abril, marcado mundialmente pela campanha Abril Azul de conscientização sobre o autismo, começou com frustração para muitas famílias atípicas de Matinhos. Um projeto de lei que propunha a criação da Semana da Maternidade Atípica no calendário oficial do município foi vetado integralmente pelo prefeito Eduardo Dalmora (PL) na última terça-feira (31). A proposta havia sido aprovada pela Câmara Municipal e foi apresentada pela vereadora Hirman Ramos Eiglmeier Ferreira (Podemos), conhecida como Hirman da Saúde.
O Projeto de Lei nº 008/2025 previa a realização da semana comemorativa no mês de maio, com atividades voltadas à valorização e ao apoio às mães de crianças com deficiência, síndromes, transtornos como do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtorno do Espectro Autista (TEA), doenças raras ou dislexia. Entre as ações propostas estavam rodas de conversa, oficinas temáticas, palestras, capacitação de servidores, campanhas de sensibilização e outras atividades em articulação com as secretarias municipais de Saúde, Assistência Social e Educação.
O prefeito, no entanto, vetou a iniciativa alegando vício de iniciativa, sob a justificativa de que o projeto trata de matéria de competência exclusiva do Executivo. Segundo Dalmora, a proposição criaria obrigações administrativas para órgãos da Prefeitura sem previsão orçamentária nem autorização do Executivo, o que infringiria o artigo 61, §1º, inciso II da Constituição Federal.
“O projeto, ao impor atribuições às secretarias municipais e definir obrigações específicas a serem executadas, invade competência privativa do Poder Executivo. Além disso, ao estabelecer a realização de atividades que podem acarretar custos aos cofres públicos, cria despesa sem apresentar estimativa de impacto financeiro e orçamentário, conforme exige a Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirmou o prefeito em trecho do documento que oficializa o veto.
A decisão gerou forte repercussão entre mães atípicas, representantes da sociedade civil e parte dos vereadores. Seis parlamentares votaram contra o veto e defenderam a sanção da lei: Hirman Ramos, Roque Sozo (PRTB), Leandro Bertotti (PSDB), Lucas Pesco (PRTB), Kayan Gusmão (Podemos) e Dornelles Silveira Lourenço (PRTB), o Nelinho Lourenço.
Por outro lado, sete vereadores votaram pela manutenção do veto, acompanhando o parecer jurídico do Executivo: Juliano Leite (Republicanos), Michel Araújo (Republicanos), Almir José dos Santos Leite (MDB), Sandro Moacir Braga (PSD), o Sandro do Gás, Anderson da Silva dos Santos (MDB), o Dan, Márcio Fabiano Mesquita Duarte (PSD), o Márcio do Seda, e Jair de Borba Rosa (PL), o Jair Pescador.
Perda simbólica e prática para as mães atípicas
Para a vereadora Hirman, que também é mãe atípica, o veto representa uma perda simbólica e prática. Ela afirma que a proposta não criava despesas obrigatórias, mas sim a possibilidade de ações conjuntas com as secretarias, baseando-se em campanhas que já são realizadas em outros municípios.

“Nós não queremos privilégios, queremos visibilidade, acolhimento e respeito. Essa semana seria uma oportunidade de abrir diálogo com a sociedade e com o poder público sobre o que vivemos todos os dias. O projeto não criava despesas obrigatórias, ele apenas previa a possibilidade de desenvolver ações em conjunto com as secretarias. É uma pena que o prefeito tenha interpretado como inconstitucional. Seguiremos buscando alternativas legais para garantir esse reconhecimento”, disse a vereadora em entrevista à Ilha do Mel FM.
Segundo Hirman, o projeto também buscava conscientizar os servidores públicos sobre a importância do atendimento humanizado às mães, que muitas vezes enfrentam situações de desrespeito ao buscarem apoio nos serviços de saúde e assistência. “A mãe atípica já chega com o laudo do filho ou está em busca desse diagnóstico, correndo atrás de tratamento, e ainda assim é tratada com rispidez. É preciso empatia. O que o projeto visava era justamente isso: sensibilizar, acolher, orientar. Infelizmente, ainda falta muito isso no serviço público”, lamenta.
“Às vezes, o que a mãe precisa é só de um ombro amigo”
A parlamentar destaca ainda que muitas dessas mulheres enfrentam a jornada da maternidade atípica sozinhas, já que em muitos casos os pais abandonam a família diante dos desafios.
“Sou mãe atípica. Minha filha tem hoje 26 anos. Enfrentei tudo isso numa época sem recursos, fui mãe solo, lutei e consegui dar a ela uma vida digna. Eu queria passar essa força para outras mães, mostrar que elas não estão sozinhas, que podemos criar espaços de apoio, com rodas de conversa, palestras, acolhimento. Às vezes, o que a mãe precisa é só de um ombro amigo para chorar”, compartilha Hirman.
Ela também fez questão de esclarecer que o conceito de maternidade atípica vai além do autismo. Envolve mães de crianças e jovens com qualquer tipo de deficiência, transtorno do desenvolvimento ou condição especial que demande cuidado contínuo.
“Ser mãe atípica não significa ser apenas mãe de criança autista. Envolve todas as síndromes, doenças raras, deficiências e transtornos. Muitas pessoas ainda não compreendem isso. O projeto era para dar visibilidade a essa realidade”, explica.
Apesar do veto, Hirman afirmou que continuará trabalhando por iniciativas voltadas à inclusão, valorização e respeito às famílias atípicas, buscando caminhos legais e institucionais para que o tema continue em pauta no município.