Por Luiza Rampelotti
Duas escolas estaduais do Litoral do Paraná — o Colégio Estadual Paulo Freire, em Pontal do Paraná, e o Colégio Estadual Tereza da Silva Ramos, em Matinhos — iniciaram o ano letivo de 2025 sob uma nova forma de gestão: agora são administradas pela empresa privada Grupo Apogeu. A mudança faz parte do programa “Parceiro da Escola”, criado pelo Governo do Estado do Paraná, que tem gerado controvérsias e enfrentado resistência de educadores, sindicatos e parte da comunidade escolar.
A Ilha do Mel FM conversou com Cida Reis, presidenta do Núcleo Sindical de Paranaguá do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP Sindicato), que representa trabalhadores da educação nos sete municípios do Litoral, além de atuar também nas redes municipais de Antonina e Matinhos. Segundo Cida, o programa foi implantado sem diálogo efetivo com a comunidade e contrariando os resultados das consultas públicas realizadas no fim de 2024.
“Das quatro escolas do Litoral que participaram da consulta pública, duas disseram ‘não’ ao projeto — o Colégio Profa. Sully da Rosa Vilarinho, em Pontal, e o Colégio Estadual Profa. Regina Mary Barroso de Mello, em Paranaguá — e duas não alcançaram quórum, mas ainda assim foram incluídas no programa de forma autoritária, que é o caso do Paulo Freire, em Pontal do Paraná, e Teresa Ramos, em Matinhos”, afirmou.
A dirigente sindical afirma que a ausência de quórum se deu, em parte, por fatores externos. No dia 7 de dezembro de 2024, data da consulta pública, fortes chuvas causaram alagamentos em várias regiões do litoral paranaense, dificultando o acesso das famílias às escolas.
“Na Escola Teresa Ramos, os arredores estavam alagados. Recebemos vídeos de pais mostrando que era impossível sair de casa. Mesmo assim, o governo incluiu a escola no programa. O mesmo aconteceu com o Paulo Freire. Nenhuma escola do Litoral disse ‘sim’ ao projeto”, pontuou.
O que diz o Governo do Estado
Em nota enviada à reportagem, a Secretaria de Estado da Educação (SEED) confirmou que as duas escolas do Litoral mencionadas estão sob responsabilidade da empresa parceira Apogeu. Segundo a SEED, o trabalho inicial da empresa incluiu a contratação complementar de funcionários, além do quadro já existente de professores e servidores concursados, como a inclusão de pedagogas adicionais no Colégio Paulo Freire para atuar na busca ativa de estudantes em risco de evasão.
A empresa também contratou pessoal para funções operacionais, como jardinagem, devido à extensão dos terrenos das unidades. Foram realizados reparos emergenciais em infraestrutura, como conserto de ventiladores, bebedouros e banheiros, além da aquisição de materiais de cozinha, pedagógicos e equipamentos de proteção individual (EPIs) para os funcionários.
Ainda segundo a SEED, a atuação da empresa tem sido feita em conjunto com a direção escolar. Um plano de ações está sendo elaborado, com metas de curto, médio e longo prazo, incluindo reformas mais amplas nas estruturas. “Além disso, a Apogeu concluiu a retirada de medidas para a confecção dos novos uniformes escolares, que serão fornecidos a todos os estudantes, e está programando a instalação de aparelhos de ar-condicionado em todas as salas de aula do Colégio Tereza Ramos”, informou.
Críticas à transferência de gestão
Apesar das justificativas apresentadas pelo governo, a APP-Sindicato vê com preocupação o uso de verbas públicas para financiar a atuação de empresas privadas em uma função considerada essencial e constitucionalmente atribuída ao Estado.
“A Constituição determina que recursos públicos devem ser usados para fortalecer a escola pública. Transferir dinheiro para empresas privadas que terão liberdade para gerir os recursos, contratar pessoal e obter lucro é inaceitável. A empresa pode até contratar professores, o que configura terceirização da atividade fim”, argumenta Cida.
A sindicalista ainda compara os repasses: enquanto escolas públicas recebem, segundo ela, cerca de R$ 8 por aluno para pequenas despesas, as escolas geridas por empresas passam a receber aproximadamente R$ 800 por aluno, com menor exigência de controle nos moldes da administração pública tradicional.
Judicialização e embates políticos
O programa tem sido alvo de diversas ações judiciais movidas por sindicatos, parlamentares e pelo Ministério Público, que questionam sua legalidade, especialmente no que diz respeito à transparência dos repasses e à constitucionalidade da medida.
“Ganhamos algumas ações, como a que questionava a privatização sem quórum e outra que pedia o direito ao voto de estudantes a partir de 16 anos. Mas todas foram derrubadas rapidamente em instâncias superiores ou por decisões monocráticas”, diz Cida.
Entre os processos em andamento, se destaca uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), proposta pela deputada estadual Ana Júlia (PT), que tramita no Supremo Tribunal Federal, ainda sem prazo para julgamento.
Educação como direito coletivo
Para o sindicato, a defesa da escola pública deve ser um compromisso da sociedade como um todo. “Estamos vivendo um momento muito difícil. O Executivo estadual, o Legislativo e até parte do Judiciário têm atuado de forma alinhada à implementação desse programa, apesar da clara rejeição popular. Das 177 escolas incluídas na consulta pública, apenas 10 disseram ‘sim’. Ainda assim, o governo decidiu implementar o Parceiro da Escola em 82 delas”, denuncia a dirigente.
Cida conclui convocando a participação da comunidade. “A educação é a política pública mais próxima da população. São 200 dias letivos por ano, com escolas abertas diariamente. O recurso usado é de todos — são os nossos impostos. Não podemos permitir que ele seja entregue sem transparência a empresas privadas, que atuarão com fins lucrativos sobre um direito constitucional. A APP-Sindicato segue na luta, mas precisamos que os pais, mães, estudantes e a população em geral participem, cobrem dos deputados estaduais, estejam atentos e digam não à privatização da educação pública”, finaliza.