Por Luiza Rampelotti
Comemorado nesta terça-feira, 3 de junho, o Dia Mundial da Bicicleta chama atenção para os múltiplos benefícios sociais, ambientais e de saúde desse meio de transporte. Em Paranaguá, onde a bicicleta já faz parte do cotidiano de milhares de moradores, novos dados reforçam a relevância dessa pauta na cidade.
De acordo com o último levantamento da equipe de Engenharia de Tráfego da Superintendência Municipal de Trânsito (Sumtran), divulgado em 2021, Paranaguá contava com cerca de 135 mil bicicletas em circulação – praticamente uma para cada habitante, considerando a população estimada em 145 mil pessoas. Isso significa que aproximadamente 93% da população tinha acesso direto ao modal. Na comparação com os automóveis, o número de bicicletas era quase o dobro da frota de carros registrada no município.
Esse protagonismo local é confirmado pelos dados da Pesquisa Nacional sobre o Perfil do Ciclista Brasileiro 2024, organizada pela ONG Transporte Ativo e o Observatório das Metrópoles, com apoio do Itaú Unibanco – a maior já realizada no Brasil sobre o tema. Paranaguá foi a única cidade do litoral paranaense incluída na amostra, com 765 ciclistas entrevistados entre agosto e novembro do ano passado. Os números mostram que 58% utilizam a bicicleta como meio de transporte, com destaque para deslocamentos diários ao trabalho, estudos, compras e atividades sociais.
Quem pedala em Paranaguá?
Em Paranaguá, a bicicleta não é apenas uma alternativa: é parte consolidada da rotina de muitos moradores. Segundo a pesquisa, 53,2% dos ciclistas afirmam pedalar todos os dias da semana, e 85,5% utilizam a bicicleta como meio de transporte há mais de cinco anos.
Os destinos mais recorrentes são o trabalho (69,7%), seguido por atividades sociais e de lazer (65,4%), compras (26,5%) e escola ou universidade (21,2%). Sobre o tempo gasto nos trajetos, 56,1% dos entrevistados pedalam entre 15 e 30 minutos, e 31,5% gastam até 15 minutos.
A praticidade é a principal motivação para o uso da bicicleta na cidade, com 52,9% das respostas. O custo aparece em segundo lugar (10,7%) e a saúde em terceiro (19,7%). Curiosamente, apenas 0,3% dos ciclistas mencionaram a preocupação com o meio ambiente como fator decisivo, o que aponta para uma comunicação deficiente sobre os benefícios ambientais da mobilidade ativa.
A pesquisa traça ainda o perfil socioeconômico dos ciclistas da cidade:
- Gênero: 45% são mulheres;
- Idade: A maioria tem até 39 anos, com destaque para os jovens de até 19 anos (22,7%);
- Renda: 50% recebem até dois salários-mínimos;
- Escolaridade: A maioria tem ensino fundamental ou médio completo;
- Cor/raça: 45,8% se identificam como pardos e 44,4% como brancos.
Pedalar é rotina, mas ainda há riscos
No entanto, mesmo com essa presença expressiva nas ruas, o cenário ainda está longe do ideal. A ausência de infraestrutura cicloviária adequada, somada à insegurança no trânsito e à falta de arborização urbana, são as principais queixas dos ciclistas. Para 42,9% dos entrevistados, a ampliação de ciclovias e ciclofaixas é o fator mais urgente para estimular o uso da bicicleta. Outros 27,3% destacam a necessidade de mais segurança pública, enquanto 17,3% apontam para a importância da educação no trânsito.
Além dos desafios estruturais, há também riscos diretos enfrentados por quem pedala. Mais de 44% relataram já ter sido vítimas de furto ou roubo de bicicleta ou de suas partes. Entre as mulheres e pessoas de outros gêneros, 6,5% afirmaram ter sofrido assédio ou importunação durante seus trajetos. Quase 46% também relataram envolvimento em ocorrências de trânsito nos últimos dois anos.
Ativismo e políticas públicas: o papel da União de Ciclistas do Brasil
Enquanto cidades como Paris, Nova Iorque e Cidade do México avançam com políticas voltadas à mobilidade cicloviária, investindo em infraestrutura, campanhas educativas, incentivos fiscais e sistemas públicos de bicicletas, o Brasil ainda dá passos lentos nesse caminho. Na contramão das metrópoles globais, Paranaguá carece de planejamento efetivo e ações estruturadas para promover o uso seguro da bicicleta, apesar da adesão expressiva da população.
Em entrevista à Ilha do Mel FM, a conselheira regional da União de Ciclistas do Brasil (UCB) em Paranaguá, Muriel Syriani Veluza, destacou a atuação da entidade como uma rede nacional de apoio técnico, articulação política e mobilização social em defesa da mobilidade ativa. “A UCB tem um trabalho de ativismo em prol da mobilidade ativa e da segurança viária, especialmente por bicicleta. Atua na incidência legislativa, com projetos como o PL da Velocidade, que propõe a redução dos limites nas vias para salvar vidas”, explica Muriel.

A entidade tem três diretores, um conselho fiscal e representantes regionais. Muriel compartilha a representação da Região Sul com André Soares, de Camboriú (SC), até 2026. As decisões da UCB são tomadas em assembleias nacionais, realizadas durante o evento Bicicultura, que em 2025 ocorrerá em setembro, em Niterói (RJ).
Entre os projetos mantidos pela entidade estão o Observatório da Bicicleta (Observabici) e a Estratégia Nacional da Bicicleta (Enabici) – este último foi premiado recentemente em Brasília por seu papel na construção de políticas públicas voltadas ao incentivo do uso da bicicleta, com ênfase na segurança de mulheres ciclistas.
A UCB também atua por meio de editais públicos e parcerias com empresas como o Itaú Unibanco, viabilizando ações em todo o país. “É um trabalho de união, fortalecimento e apoio a quem acredita na bicicleta como parte de uma cidade mais justa e sustentável”, resume Muriel.
“Seguimos no escuro”: cicloativista cobra dados e ações do Município de Paranaguá
Muriel também fez críticas à ausência de políticas permanentes e de estudos técnicos voltados à mobilidade por bicicleta em Paranaguá. Segundo ela, não há contagens de ciclistas nem levantamentos regulares sobre as rotas mais utilizadas ou os pontos críticos da cidade, o que compromete o planejamento urbano.
“É uma pena não termos um trabalho constante sobre isso por parte do Município. Faltam contagens de ciclistas, levantamento das vias mais utilizadas, identificação das reais necessidades. O que temos hoje é o Perfil do Ciclista, feito com base em esforço da sociedade civil”, diz.
Ela destaca que “perfil de ciclista” e “contagem de ciclistas” são instrumentos distintos e complementares, ambos essenciais para orientar políticas públicas. “Precisamos saber onde estão, por onde andam, quais os pontos mais críticos. Sem isso, continuamos no escuro”, destaca.
Como exemplo da falta de planejamento, Muriel menciona o cruzamento em frente ao Hospital Regional do Litoral, na Rua dos Expedicionários. “Ali não há vez para pedestre nem para ciclista. Já protocolei pedido na Prefeitura anos atrás, mas disseram que não era possível instalar um semáforo de quatro tempos. Até hoje, quem atravessa ali precisa correr e se espremer entre carros”.
Para a conselheira, a falta de infraestrutura adequada e de estudos técnicos compromete diretamente a segurança e o direito de ir e vir de quem escolhe – ou precisa – pedalar.