Por Luiza Rampelotti
Na última vez que João dos Anjos* se olhou no espelho antes de conhecer o Narcóticos Anônimos (NA), ele não gostou do que viu. O rosto marcado pelo cansaço, os olhos sem brilho, a mente consumida por um único pensamento: onde conseguir a próxima dose? A droga havia tomado tudo dele—família, trabalho, dignidade. Ele não via mais saída.
Até que um dia, uma porta se abriu. E essa porta o levou a um encontro do NA.
Hoje, João está limpo há 3 anos, 8 meses e 24 dias. E é com orgulho que ele conta essa história. “Achei que ia morrer usando drogas. Quando entrei no NA, pela primeira vez em muito tempo, alguém olhou para mim e disse: ‘Você é a pessoa mais importante desta reunião. Você pode se recuperar’. Aquilo me deu esperança“, contou em conversa com a Ilha do Mel FM.
Histórias como a dele se repetem dentro do grupo de Narcóticos Anônimos de Paranaguá, que se reúne todas as quartas-feiras, às 19h30, no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) “Solar dos Girassóis”, na Avenida Belmiro Sebastião Marques, Parque São João. Neste 20 de fevereiro, quando é celebrado o Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo e às Drogas, a mensagem do NA ecoa ainda mais forte: é possível parar de usar drogas, perder o desejo e encontrar uma nova maneira de viver.
Uma irmandade baseada na ajuda mútua e no anonimato
O Narcóticos Anônimos é um programa de recuperação que valoriza o anonimato e a liberdade dos seus membros. O objetivo é proteger a identidade dos participantes, resguardando a imagem da irmandade, caso haja recaídas. Qualquer pessoa pode entrar ou sair do programa a qualquer momento, sem necessidade de inscrição ou comprometimento formal.
A base da recuperação no NA é a ajuda mútua entre os adictos, que compartilham experiências, desafios e conquistas para superar o vício. A dependência química é reconhecida como uma doença progressiva e incurável, mas que pode ser controlada através da força de vontade e do apoio constante do grupo.
O programa segue os 12 Passos e as 12 Tradições, que incluem princípios como a admissão de que existe um problema, a busca por ajuda, o autoconhecimento, a reparação dos danos causados e o compromisso de ajudar outros adictos a se recuperarem. Os membros compartilham experiências e aprendem a lidar com os desafios do dia a dia sem recorrer às drogas.
A luta para manter o grupo ativo em Paranaguá
Por pouco, a cidade não ficou sem esse espaço de acolhimento. O grupo de NA em Paranaguá ficou fechado por quase um ano por falta de um local adequado para as reuniões. Foram muitas tentativas frustradas, até que, com o apoio de parceiros e da própria irmandade do NA, o grupo conseguiu um novo espaço no CAPS.
“Sabemos da necessidade de ter um grupo aqui. Paranaguá, como cidade portuária, tem altos índices de consumo de drogas e álcool. O NA é um refúgio para aqueles que querem mudar de vida, mas não sabem por onde começar“, explica André Souza*, coordenador de relações públicas do NA no estado.
Atualmente, o grupo conta com uma reunião semanal, mas a expectativa é ampliar esse número. “Uma reunião por semana é pouco. A gente precisa de pelo menos duas para garantir que mais pessoas tenham acesso ao programa“, reforça André.
O impacto do NA na vida dos membros
O que diferencia o NA de outras iniciativas de combate às drogas é o apoio mútuo entre os membros, sem julgamentos e sem hierarquia. O único requisito para participar é o desejo de parar de usar drogas.
Rafael Rodrigues*, que está limpo há 5 anos, 6 meses e 6 dias, conta que, antes de conhecer o NA, não acreditava que existisse vida sem drogas. “Eu não me identificava com os lugares de tratamento tradicionais. Mas quando cheguei aqui, ouvi histórias de pessoas que passaram pelo que eu passei e estavam conseguindo viver sem usar. Isso me deu esperança“, contou à Ilha do Mel FM.
Roberto Reis*, limpo há 1 ano, 5 meses e 13 dias, diz que o NA lhe devolveu algo que as drogas roubaram: a dignidade. “O uso de drogas é um suicídio lento. Eu não tinha mais esperança, só queria mais uma dose. No NA, eu ouvi pela primeira vez que existia uma maneira diferente de viver. Resolvi dar uma chance, e aqui estou“, comemorou.
O NA e o Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo e às Drogas
Embora a luta contra a adicção aconteça todos os dias, datas como o 20 de fevereiro ajudam a chamar a atenção para o problema. “O poder público, a imprensa e a sociedade precisam olhar para essa questão com mais atenção. Muitas pessoas nem sabem que existe um grupo como o nosso, onde elas podem encontrar ajuda“, destaca André.
A irmandade também realiza ações de conscientização em diversos espaços públicos. “Já levamos nossa mensagem para estádios de futebol, fazemos panfletagens e promovemos eventos. Nosso objetivo é mostrar que a recuperação é possível“, acrescenta Rafael.
Onde encontrar um grupo do NA no Litoral do Paraná
A comunidade dos Narcóticos Anônimos no Litoral existe há mais de 25 anos, com reuniões em diversas cidades. Se você ou alguém que conhece precisa de ajuda, as reuniões do NA Paranaguá acontecem todas as quartas-feiras, às 19h30, no CAPS de Paranaguá. Não é necessário agendamento, nem identificação. Basta chegar e participar.
“A gente sempre diz: só por hoje. Porque o ontem já passou e o amanhã ainda não chegou. Só por hoje, podemos escolher viver sem drogas“, conclui Rafael.

Confira os horários e locais das reuniões presenciais na região:
🔹 Paranaguá – quartas-feiras, às 19h30, no CAPS.
🔹 Antonina – sextas-feiras, às 19h30, na Rua Mestre Adriano, S/N – Centro Esportivo Pref. Joubert Gonzaga Vieira “Caveirão”.
🔹 Guaratuba – domingos, às 9h30; terças-feiras, às 19h; sextas-feiras, às 19h; sábados, às 18h. Local: Travessa Ari Camargo de Queirós, 30, Centro de Guaratuba, próximo ao restaurante Casa Nostra, ao lado do chaveiro.
🔹 Pontal do Paraná – quintas-feiras, às 20h, na Rua Fernando Amaro, 125, balneário Santa Terezinha, anexo à Igreja Católica.
Além dos encontros presenciais, o NA também oferece reuniões on-line todos os dias da semana, em diversos horários. A programação completa está disponível no site www.na.org.br/virtual.
Os Narcóticos Anônimos ainda possuem uma linha de ajuda via WhatsApp pelo número (41) 9-9777-0209, que atende todo o Litoral, Curitiba e Região Metropolitana. Há também a linha nacional 132, disponível para orientação e acolhimento.
*Para preservar o princípio do anonimato, fundamental na irmandade Narcóticos Anônimos, os nomes mencionados nesta reportagem são fictícios. A equipe da Ilha do Mel FM acompanhou uma reunião do grupo na quarta-feira (12), em Paranaguá.