REPORTAGEM ATUALIZADA: Anteriormente, a reportagem informava que cerca de 250 profissionais seriam afetados, no entanto, a informação foi atualizada para 87.
Por Luiza Rampelotti
“Estamos na luta, e não é só por nós: é pela população do Litoral”. Foi com essa frase que a técnica em enfermagem e socorrista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), Anna Roberta Fontes, resumiu o sentimento de dezenas de profissionais que participaram, na última terça-feira (1º), de uma manifestação na Câmara de Vereadores de Paranaguá. O protesto foi uma resposta à decisão do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Litoral do Paraná (CISLIPA), que pretende transferir a central de regulação do SAMU do Litoral para Curitiba.
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A mudança, prevista para ocorrer até o segundo semestre deste ano, afetará diretamente o modo como os chamados ao número 192 são recebidos e repassados às equipes de socorro. Atualmente, as ligações feitas a partir de qualquer cidade litorânea são atendidas por profissionais que conhecem a realidade local, em Paranaguá. Com a nova configuração, os chamados passarão por uma triagem em Curitiba antes de serem encaminhados às ambulâncias da região.
De acordo com Anna Roberta, a mudança coloca em risco não apenas o emprego de dezenas de trabalhadores, mas a qualidade e a agilidade do atendimento. “A gente não sabe exatamente quantos vão ser demitidos, mas pode ser 30, 50, até os 87 profissionais. O que a gente vê é que começa assim: tira a regulação, depois manda motorista embora, depois técnico, depois enfermeiro. Vão terceirizando tudo. E quem perde é a população”, alertou em entrevista à Ilha do Mel FM.
Impactos para o atendimento emergencial
A decisão foi aprovada pela maioria dos prefeitos dos sete municípios que compõem o CISLIPA, com o argumento de que a medida gera economia para as prefeituras. Em entrevista à Ilha do Mel FM, o diretor executivo do consórcio, Daniel Fangueiro, defendeu que a central única em Curitiba representa uma forma de otimizar recursos, padronizar protocolos e mitigar falhas na comunicação.
“A ideia é que, ao ser integrado à central de Curitiba, o SAMU Litoral funcione de maneira mais estável e eficiente. Já temos esse modelo com o 190 da Polícia Militar, por exemplo”, explicou.
Mas para os trabalhadores e parte das lideranças políticas locais, a comparação não se sustenta. Durante a sessão legislativa em que os profissionais do SAMU participaram, o presidente da Câmara de Vereadores de Paranaguá, Adalberto Araújo (Republicanos), reforçou as preocupações com a proposta.
“Nós recebemos aqui alguns servidores do CISLIPA, do SAMU, esse serviço importantíssimo que é prestado em todo o Litoral, e há uma preocupação justificada de todos eles com relação à pretensão da Secretaria de Estado da Saúde de mudar a sede do centro de regulação. Querem levar de Paranaguá para Curitiba”, disse o vereador, que destacou a importância do conhecimento territorial para garantir eficiência no atendimento.
“Agora você imagina: se fala lá rua 33, Ilha dos Valadares, será que a pessoa que tá lá [em Curitiba] vai entender? A gente vai lutar, vai procurar deputados estaduais, conversar com prefeitos e autoridades do próprio governo do Estado para reverter essa situação. A gente não pode aceitar que isso aconteça com o SAMU. A população precisa desse serviço”, afirmou Adalberto, que também apelou à sociedade civil para se unir à causa.
Entre as principais preocupações estão a dificuldade de comunicação em áreas sem sinal de celular, como comunidades insulares e rurais, e o aumento da demanda durante a alta temporada.
Incertezas para os trabalhadores
A central de regulação em Paranaguá emprega atualmente médicos, técnicos de enfermagem, rádio-operadores e atendentes, sendo como servidores efetivos, comissionados ou terceirizados. Com a transferência, esses profissionais poderão ser realocados para outras funções ou dispensados.
“O consórcio detém os contratos desses servidores e estamos avaliando, junto aos municípios, a possibilidade de redistribuição. Também estamos em diálogo com a Secretaria de Estado da Saúde (SESA) para ver se é possível absorver parte deles na nova central em Curitiba”, informou Fangueiro.
Apesar das garantias de que o atendimento local será mantido, os trabalhadores seguem inseguros. “A gente não tem garantia de nada. E não é só o emprego que está em jogo, é o serviço público. É o direito da população de ser atendida com rapidez e por quem conhece a realidade daqui”, afirma Anna Roberta.

Apoio político e mobilização regional
A manifestação realizada na Câmara contou com o apoio de parlamentares de Paranaguá. A mobilização, agora, deve se estender aos demais municípios que integram o consórcio: Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, Morretes e Pontal do Paraná.
“Vamos buscar o apoio dos vereadores dessas cidades. A decisão não foi batida o martelo ainda. Temos tempo para correr atrás e impedir que isso aconteça”, disse a técnica em enfermagem.
Medidas paliativas e promessas
Enquanto a transferência é preparada, o CISLIPA anunciou algumas medidas para tentar minimizar os impactos. Entre elas, estão a criação de uma base descentralizada no bairro Padre Jackson, em Paranaguá, a aquisição de uma ambulancha para atender as ilhas e o reforço do resgate aeromédico.
“O objetivo é fortalecer o SAMU no Litoral mesmo com a regulação na capital. Sabemos que haverá um período de adaptação, mas estamos comprometidos em garantir a continuidade do atendimento de qualidade”, concluiu Fangueiro.
O que muda para a população
Na prática, o número 192 continuará funcionando normalmente. O que muda é que, ao ligar, o atendimento será feito por profissionais em Curitiba. A promessa é que isso não impacte o tempo de resposta, mas moradores e servidores seguem céticos.
“A gente vai continuar lutando. Não vamos aceitar que tirem daqui o que é nosso, o que funciona e o que salva vidas”, finalizou Anna Roberta.