Por Luiza Rampelotti
A sétima edição do Afoxé Filhos de Iemanjá, realizada no último sábado (22) em Paranaguá, reuniu cerca de 800 pessoas em uma celebração à cultura afro-brasileira. Contudo, a manifestação cultural e religiosa foi alvo de ataques de intolerância. Nas redes sociais, publicações sobre o evento foram inundadas por comentários preconceituosos, revelando um padrão de discriminação recorrente contra religiões de matriz africana.
Entre os episódios mais emblemáticos, se destaca a circulação de um áudio atribuído à pastora Simara Torres, no qual ela classifica o Afoxé como um “afronte de Satanás” e conclama fiéis a jejuarem contra a festividade, reforçando discursos de ódio e intolerância religiosa.
Ouça o áudio:
Diante desses ataques, a Associação Cristã de Estudos da Fraternidade Irmanada (ACEFI) emitiu, nesta segunda-feira (24), um Ato de Repúdio, solicitando providências das autoridades e denunciando o caso ao Ministério Público. O documento, assinado pelo presidente da instituição, Lederson Souza, também foi protocolado na Câmara de Vereadores de Paranaguá, e ressalta a necessidade de investigação e responsabilização dos envolvidos, além da implementação de políticas públicas para combater a intolerância religiosa e proteger as religiões de matriz africana.
Denúncia ao Ministério Público
O Ato de Repúdio da ACEFI destaca que os ataques foram racistas e discriminatórios, reforçando que a intolerância religiosa é crime previsto na legislação brasileira. A entidade exige:
• Investigação e responsabilização dos autores dos ataques contra o Afoxé Filhos de Iemanjá;
• Medidas de proteção aos praticantes de religiões de matriz africana, incluindo a criação de um canal específico para denúncias;
• Programas educacionais sobre diversidade religiosa nas escolas e instituições públicas;
• Fortalecimento das políticas de preservação da cultura afro-brasileira;
• Criação de um comitê municipal para combater a intolerância religiosa;
• Campanhas de conscientização sobre diversidade religiosa e cultural.
“O Afoxé é uma manifestação reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial e protegida pela Constituição Federal. Os ataques fazem parte de um padrão de perseguição contra religiões de matriz africana, frequentemente alvo de discriminação no Brasil”, diz Lederson.
O que diz a lei?
A intolerância religiosa é crime no Brasil, conforme estabelecido pela Lei nº 7.716/89, que prevê pena de dois a cinco anos de prisão para quem discriminar alguém por sua religião. Além disso, a Lei nº 9.459/97 agrava a pena quando há motivações raciais ou étnicas.
A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso VI, assegura o livre exercício dos cultos religiosos e protege locais de culto e suas liturgias. O Brasil também é signatário de tratados internacionais que condenam a intolerância religiosa, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
Reação da comunidade afro-religiosa
Lederson Souza afirmou que os ataques não irão calar a manifestação cultural e religiosa. “Não é a primeira vez que enfrentamos esse tipo de preconceito. Mas resistimos, porque a cultura afro-brasileira é parte da identidade do nosso país. O Afoxé seguirá sendo um espaço de celebração e resistência”, disse.
Ele também destacou que a denúncia ao Ministério Público é um passo fundamental para coibir novos ataques. “Não podemos normalizar discursos de ódio. Esperamos que a Justiça atue e que os responsáveis sejam punidos”, disse.
Discurso de ódio e criminalização
O áudio da pastora Simara Torres, amplamente compartilhado nas redes sociais, expressa claramente um discurso de ódio contra religiões de matriz africana. No conteúdo, ela convoca fiéis para um jejum “contra os demônios”, alegando que o evento representa uma ameaça à cidade. Além da incitação ao preconceito religioso, o áudio reforça estereótipos racistas ao associar cultos afro-brasileiros a forças malignas, um padrão histórico de discriminação.
A Ilha do Mel FM não conseguiu contato com a pastora, mas o espaço está aberto para sua manifestação.
Vale ressaltar que, conforme o Código Penal, discurso de ódio pode configurar incitação ao crime, previsto no artigo 286, com pena de três a seis meses de detenção ou multa.
Casos de intolerância religiosa no Brasil
Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos mostram que as religiões de matriz africana são as mais perseguidas no Brasil. Em 2022, mais de 1.800 denúncias de intolerância religiosa foram registradas, sendo que 70% delas tinham como alvo praticantes de Umbanda e Candomblé.
Especialistas alertam que a intolerância religiosa está diretamente ligada ao racismo estrutural, já que as religiões afro-brasileiras carregam a herança de povos escravizados. “Ataques como esses não são isolados, mas refletem um sistema que historicamente tenta deslegitimar e silenciar a cultura negra”, explica o sociólogo Rafael Souza, pesquisador de religiões afro-brasileiras.
A ACEFI reforça que qualquer pessoa que sofra ou testemunhe intolerância religiosa pode denunciar pelo Disque 100 (Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos) ou registrar ocorrência na delegacia mais próxima.